terça-feira, 12 de junho de 2012

Você sabe como seu aluno aprende?

Gostei muito dessa reportagem que estudamos hoje no ATPC da E.E. Cel. Nhonhô Braga", Piraju/SP sobre a necessidade em saber como o aluno aprende. Esse texto é útil para professores de todas as disciplinas. Gostaria de compartilhá-lo com vocês.


Juan Delval: "É essencial saber como o aluno aprende"

Segundo o autor espanhol, que pesquisa as concepções sociais de crianças e jovens, é necessário entender quais são elas para ensinar bem

Muito se fala em "levantar o conhecimento prévio do aluno", mas pouco se sabe realmente sobre os caminhos do pensamento infantil. Não existe um ponto de partida zero para ensinar ou aprender. Todos possuímos um conhecimento, além de representações e modelos elaborados e estabelecidos individualmente, para entender o mundo.

Por compartilhar dessa visão, o autor espanhol Juan Delval centrou seu trabalho na pesquisa sobre o desenvolvimento do pensamento científico e no levantamento do que as crianças acham sobre questões sociais. Conhecer as concepções delas, de acordo com ele, é um passo importante para ensinar bem. "Uma vez que um dos objetivos da escola é levar os estudantes a formar representações adequadas do mundo em que vivem, o educador precisa ter como referência essas ideias preconcebidas para realizar sua tarefa satisfatoriamente."

Catedrático de Psicologia Evolutiva e de Educação na Universidade Autônoma de Madri, Delval foi coordenador do Programa de Doutorado em Desenvolvimento Psicológico e Aprendizagem Escolar da mesma universidade. Tem realizado conferências e pesquisas em vários países ibero-americanos, entre eles Brasil, Chile, Argentina, Colômbia, Cuba e México. Nesta entrevista, concedida a NOVA ESCOLA quando esteve no país, em novembro do ano passado, Delval conta as principais descobertas sobre a concepção de crianças e adolescentes a respeito da sociedade.

Suas pesquisas focam as idéias infantis em relação à sociedade. Elas podem ajudar a escola a ensinar?
DELVAL
Sim. Comecei a pesquisar o tema em 1971. Entre os assuntos estudados, destaco o desenvolvimento das noções econômicas em crianças e jovens, a percepção que eles têm da estratificação social e dos próprios direitos, além do que pensam sobre Deus. Em todos os levantamentos, nossas investigações mostram que eles constroem representações em relação ao mundo e às questões que aprendem na escola. E elas vão mudando de acordo com a idade.

Qual o papel da escola, como instituição, nesse processo?
DELVAL
Tomar como base os conceitos infantis para ajudar a transformá-los em conhecimento científico. Muitas vezes, o professor parte do pressuposto de que a criança chega à escola sem conhecimento, e não é assim. Ela sabe menos que os adultos, mas tem o domínio de outras competências, como a tecnologia. O desenvolvimento do conhecimento da turma depende do que ela já conhece.

Como deve ser isso na prática?
DELVAL O ideal é primeiro apresentar o problema e, depois, formas de chegar à solução. Muitas vezes, a escola faz exatamente o contrário: dá soluções para coisas que ainda não representam um problema na cabeça dos estudantes. Daí a importância de trabalhar com base no pensamento deles. Sabendo como aprendem, o professor pode levar em conta as dificuldades que encontram.

Que ideias infantis podem ser destacadas no que se refere ao desenvolvimento econômico?
DELVAL A primeira realidade econômica com a qual os pequenos se relacionam é provavelmente a loja. Eles aprendem muito cedo que esse é o lugar onde obtêm diversas coisas de que precisam e que isso se dá em troca de dinheiro. Mas, por volta dos 5 anos, não entendem a troca em si. Para eles, o dinheiro é um elemento ritual que permite a compra. Muitas vezes, interpretam que o vendedor devolve mais dinheiro do que recebeu porque olham a quantidade de notas e não o valor delas. Chegam ao ponto de dizer que uma as fontes para obter dinheiro é a loja.

As crianças compreendem o lucro?
DELVAL Não. Veja que curioso: até os 11 anos, as entrevistadas nas pesquisas acreditavam que o dono da papelaria cobra por um lápis o mesmo que paga na compra. Isso se explica pela confusão de valores morais - recebidos por meio dos pais. Elas consideravam o lojista um amigo que estava resolvendo um problema. Muitas diziam, inclusive, que ele oferece os produtos com preço abaixo do custo porque, assim, vende mais. Apesar de estarem imersas em uma sociedade centrada no lucro, não conseguem entendê-lo.

Quem eram os entrevistados?
DELVAL Crianças e jovens da Inglaterra, da Holanda, da Itália e do México. Entre eles, havia quem trabalhava nas ruas como vendedor ambulante e, mesmo nesse grupo, os resultados foram muito semelhantes. Há pequenas alterações de acordo com as faixas etárias, mas os que tinham um melhor conhecimento sobre o processo de compra e venda também não conseguiam entender o lucro.

Por que isso é difícil?
DELVAL Os pequenos têm dificuldade com os cálculos e não conseguem separar o preço por unidade do preço total. Existem também os obstáculos morais: é injusto cobrar mais do que aquilo que custa o produto. Isso representa, na visão das crianças, o mesmo que tomar proveito de alguém ou até mesmo roubar. Só mais tarde elas percebem que as relações de amizade são regidas por normas morais, enquanto as relações econômicas têm outros tipos de regra. Mesmo depois que entendem o lucro, é complicado compreender o sentido de um banco.

Quais as conclusões dos estudos em relação à estratificação social?
DELVAL Tanto no México como na Espanha, quando perguntamos a diferença entre ricos e pobres, as respostas apareceram em níveis de complexidade distintos. Os mais novos deram explicações embasadas em aspectos aparentes e facilmente observáveis. Por exemplo: um menino explicou que um engenheiro ganha mais que um pedreiro porque trabalha mais horas. Provavelmente ele soube que o primeiro ganhava mais, mas, como não diferenciava a "qualidade" dos trabalhos, teve de explicar apoiando-se no volume de horas - outra informação de que provavelmente dispunha.

E entre os mais velhos?
DELVAL Os que tinham entre 10 e 13 anos afirmaram existir dois caminhos, um bom e outro mau: o dos que trabalham e o dos que não trabalham. Eles enxergavam ainda um processo de escalada social. Na faixa que ia até os 16 anos, os jovens já identificavam que a situação de uma pessoa pobre ou rica é gerada por uma série de fatores internos (investimento de tempo em estudos) ou externos (disponibilidade de vagas) e mostravam um pensamento hipotético.

Em seu livro Los Niños y Dios. Las Ideas Infantiles Sobre la Divinidad, las Orígenes y la Muerte, são tratadas as imagens dos pequenos sobre Deus. Quais são elas?
DELVAL
O livro traz os resultados de uma pesquisa que fiz com uma orientanda na Espanha e no México entre os que frequentavam escolas católicas. Em relação a Deus, os pequenos têm uma ideia muito concreta: é uma pessoa vestida com uma túnica comprida, que tem os cabelos brancos e compridos e usa uma coroa. Ele fica no céu, rodeado de anjos. Já os maiores pensam de forma mais abstrata e fazem uma reflexão pessoal sobre o assunto. Para eles, Deus é um sentimento interno que tem a ver com a consciência moral.

Como essas concepções se formam?
DELVAL Uma das principais capacidades do ser humano é criar representações da realidade que o rodeia. Não existe uma realidade que independa do sujeito que a interpreta. Estabelecemos modelos dela e, assim, conseguimos atuar de acordo com eles e fazer antecipações.

Que representações são essas?
DELVAL
As da própria vida social, que incluem, por exemplo, como nos portar diante dos demais e o que esperamos que os outros façam. O ideal é que as pessoas adquiram noções de como funciona o processo de compra e venda, para que serve o dinheiro e qual o seu valor, como se dá a organização política, como são as relações de poder, as diferentes classes sociais e religiões e a função de instituições como a escola, a família e a nação. Além disso, precisam entender como se dão os conflitos entre os grupos.

Todas essas ideias são transmitidas pelos adultos?
DELVAL O fato de o conhecimento ser social e ser transmitido não significa que seja adquirido apenas por cópia ou transmissão verbal. O sujeito que recebe uma informação não se limita a absorvê-la, mas tem de reconstruí-la a seu modo. De outra forma, não seria possível explicar que as concepções de crianças de diferentes idades em relação à sociedade sejam bem diferentes das apresentadas pelos adultos. Ou ainda que as que têm a mesma idade, mesmo que vivendo em diferentes países ou culturas, tenham noções similares de sociedade.

Mas a transmissão ocorre...
DELVAL Sim. O homem é um ser social que só pode se desenvolver em sociedade. O fato é que os adultos fazem com que os pequenos se convertam em membros dessa sociedade ao impor normas, valores, atitudes e formas de comportamento que caracterizam os indivíduos dela. Esse processo é chamado de socialização e é resultado, em parte, da pressão dos outros e, em parte, da atividade de construção do próprio sujeito - o que mapeamos nos estudos que realizamos.

De que modo se dá a construção desses pensamentos pela criança?
DELVAL
Ela recebe informações da família, da escola e dos meios de comunicação: Brasília é a capital do Brasil, médico é uma profissão de prestígio, a bandeira brasileira é azul, amarela, verde e branca etc. Porém, como não esclarecem por que essas coisas são assim, ela constrói uma explicação por si mesma, com os instrumentos intelectuais de que dispõe. Desse modo, aprende desde cedo que para comprar algo é preciso levar dinheiro à loja muito antes de conseguir explicar para que serve o dinheiro.

Em que momento ela alcança a total compreensão sobre isso?
DELVAL
Quando recebe explicações, que vão atuar sobre as normas e os valores e reorganizar tudo: o dinheiro é uma moeda de troca e a bandeira é o símbolo de uma nação, por exemplo. Quando se alcança um grau de entendimento maior, essas explicações proporcionam um novo sentido às normas e valores, tornando possível refletir sobre eles e, inclusive, duvidar de seus fundamentos. É isso que chamamos de pensamento crítico.

Esse é o caminho correto para a autonomia dos pequenos?
DELVAL
Autonomia, do ponto de vista cognitivo, é pensar por si mesmo. Do moral, é atuar de acordo com princípios gerais, que sirvam para todos. Para que isso ocorra, é preciso haver incentivo. Hoje não são dadas responsabilidades a eles, mas todos precisam observar as consequências - para eles e para outras pessoas - de algo errado que fazem. O objetivo, do ponto de vista da Educação moral, é interiorizar regras e normas, que não são cumpridas por castigo, mas porque a consciência diz que facilitam as relações entre diferentes indivíduos. Todos necessitam compreender que a função das regras não é limitar, impedir, castrar e castigar, mas regular as relações entre os indivíduos e estabelecer modelos que facilitam a vida em sociedade.

Qual a conclusão de seus estudos?
DELVAL
A criança enxerga a sociedade de uma forma muito diferente do que o adulto. Para ela, vivemos num lugar sem conflitos, em que todos cooperam e os adultos detêm o conhecimento, que é algo valioso. Os ricos são ricos, e os pobres, pobres - não há níveis intermediários. Acredito que a origem de muitos problemas sociais, hoje em dia, reside na fase em que os adolescentes descobrem que a sociedade não é, de maneira alguma, racional e organizada, como tinham em mente. Eles experimentam, então, a frustração por se sentirem impotentes para mudar a ordem das coisas.

Suas pesquisas focam as ideias infantis em relação à sociedade. Elas podem ajudar a escola a ensinar?

BIBLIOGRAFIA
Aprender a Aprender
, Juan Delval, 168 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500 (edição esgotada)
Manifesto por Uma Escola Cidadã, Juan Delval, 176 págs., Ed. Papirus, 34,90 reais


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